O problema dos três corpos

O primeiro livro de língua não inglesa a receber o Prêmio Hugo*, pode parecer à primeira vista uma leitura complicada para os leitores do ocidente. Não por se tratar de uma obra de “Hard Science Fiction”, mas por vir do outro lado do mundo, e utilizar história e culturas de seu país de origem como base da narrativa.

Felizmente, essa dificuldade é reconhecida pela publicação, que além de notas de roda-pé do autor explicando conceitos científicos e detalhes da história e cultura Chinesas, traz também uma "Lista de Personagens". Esta reforça que nomes chineses são escritos com o sobrenome na frente , e traz identifica indivíduo importante para a história. Parece bobo, eu sei. Mas este detalhe de produção é fundamental para situar o expectador  que não deve perder a experiência dos Três Corpos por questões de diferenças culturais.

Com esse apoio e uma ou outra visitinha ao Google para compensar aquela aula de história esquecida. Somos apresentados à China em plena Revolução Cultural, quando a jovem astrofísica Ye Wenjie tem a vida destruída pelas forças de repressão do regime. Como ela vai seguir a diante e lidar com a sociedade em que vive, é o que vai moldar o caminho para a trama de Wang Miao. Vivendo nos dias atuais, o pesquisador de nanomateriais começa a presenciar fenômenos incomuns, quase sobrenaturais. Descobrindo que não é o único ele é levado a conhecer um jogo online chamado Três Corpos, que supostamente traria a explicação para as aberrações cientificas dos últimos tempos.

Some-se aí, um pouco de crítica social, discussões políticas, desesperança quanto à humanidade, projetos ultra-secretos, assassinatos, teorias de conspiração e complexos experimentos científicos situados no limiar da veracidade e absurdo. Este último elemento, devo admitir, não é a coisa mais fácil de compreender do romance de Cixin Liu. Ao menos para esta blogueira com conhecimento limitado de ciência que vos escreve. A explicação técnica minuciosa e rica em detalhes pode arrastar um pouco a leitura, mas tudo bem, pois no final das contas são os resultados e as escolhas dos personagens durante e após o processo que de verdade movem a trama.

Trama esta que possuí mais um elemento que ainda não mencionei. De fato, preferia não ter sabido deste detalhe antes de ler o livro, mas está na sinopse, então vamos lá - alienígenas. Sabendo da presença deles na trama, a curiosidade quanto aos estranhos fenômenos ao redor do mundo em relação ao leitor muda: ao invés de "o que está acontecendo", só esperamos os seres extraterrestres aparecerem para entender o que eles pretendem e como o estão fazendo.

Alternando entre as histórias de Ye Wenjie e Wang Miao. O livro nos mostra simultaneamente dois períodos históricos distintos e a inevitável conexão entre as tramas. Mas enquanto Wenjie literalmente uma refém do governo de seu tempo, tenta ser dona de suas escolhas e ações. Wang um homem supostamente livre dos tempos atuais, apenas reage aos problemas conforme lhes são apresentados. Ela move a história, ele é uma ferramenta para contá-la.

Tudo isso apresentado de forma intrigante ao ponto que, mesmo sabendo que aliens tem grande parte das respostas, é impossível para o leitor não tentar chegar à solução sozinho. Seja sobre os mistérios do passado de Weinje a conspiração no presente, ou o funcionamento e propósito do jogo. Há também tempo para transformar o enigma em um problema mundial, e introduzir elementos de outras culturas na narrativa. Geralmente estes últimos misturados de forma anárquica na narrativa do jogo online. Ampliando a trama para suas sequencias, o livro é o primeiro de uma trilogia.

O problema dos três corpos é uma ficção-cientificá excelente. Que já ganha pontos por exigir um pouco mais dos leitores ocidentais acostumados à estar sempre no centro das narrativas. Além de ter uma história complexa e envolvente. Agora é esperar pelos volumes restantes e torcer para que a aceitação da trilogia aqui, abra a s portas para mais histórias do outro lado do mundo.

O problema dos três corpos
Cixin Liu
Suma de Letras


*O Hugo é considerado um do principais prêmios de fantasia ou ficção científica. Entregue anualmente para os melhores trabalhos destes gêneros foi criado em 1953 e já estava em sua 62º edição quando finalmente premiou um livro de lingua não inglesa em 2015.

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